Estratégia de inovação em tempos de pandemia
Por: Marcelo Caldeira Pedroso, professor
livre-docente da FEA/USP
Provavelmente a melhor forma de lidar com
as crises seja um misto de realidade com otimismo. Quando a crise é inevitável
ou já está instalada (senso de realidade), vale a pena pensar em formas de
potencializar as oportunidades dela decorrentes (senso de otimismo). Nas
palavras de Albert Einstein: “A crise é a melhor benção que pode ocorrer com
as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da
angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções,
os descobrimentos e as grandes estratégias”.
No momento atual, a crise tem nome e
sobrenome: denomina-se pandemia do covid-19 (Sars-CoV-2). Neste contexto,
trazemos uma reflexão: como as organizações podem aproveitar a crise como um
fator impulsionador da inovação?
O conceito de inovação, no sentido amplo,
pode ser entendido como “algo novo” para uma organização e, de maneira geral,
também para as pessoas por ela impactadas. Isso significa que inovação implica
mudança. No sentido inverso, uma mudança significativa no ambiente externo pode
gerar a necessidade de inovação.
Essa questão reflete o contexto atual: a
inovação como um imperativo, ou seja, um elemento que se impõe para lidar com
uma mudança significativa no ambiente externo (no caso, a pandemia e suas
consequências).
Em geral, pode-se dizer
que as pessoas (e também as organizações) mudam por necessidade. Segundo
Sigmund Freud, “quando a dor de não estar vivendo for maior
que o medo da mudança, a pessoa muda”. Em outras palavras, as pessoas e as organizações
mudam quando suas percepções dos benefícios para mudar compensam os esforços e
riscos associados à mudança. No caso da pandemia, o benefício pode ser
incomensurável. A depender do contexto organizacional, a pandemia pode trazer
importantes consequências aos negócios de uma organização, ou até mesmo colocar
em risco sua sobrevivência.
As mudanças impostas ou adaptativas
decorrentes da pandemia têm proporcionado diversas novidades, dentre outras:
novos hábitos sociais (ex.: distanciamento social), impactos econômicos e
sociais devidos à restrição de atividades consideradas como não essenciais
(ex.: fechamento de parte do comércio), adoção de novas tecnologias (ex.:
plataforma de videoconferência), novas formas de trabalho (ex.: trabalho
remoto) e novas regulamentações (ex.: telemedicina, flexibilização da jornada
de trabalho).
Isso tem causado impactos substanciais em
alguns setores da economia. Provavelmente, alguns destes, serão tratados como
“antes e depois da covid-19”. Vamos considerar um conceito da inovação para
refletir sobre isso. Nos anos 60, Everett Rogers preconizou a teoria de difusão
da inovação. Segundo Rogers, a difusão é o caminho pelo qual uma inovação é
disseminada ao longo do tempo entre os participantes de um sistema social. Segundo
esse conceito, as pessoas podem ser classificadas em grupos de acordo com o
tempo que demoram para adotar uma inovação. Esses grupos são: os inovadores, ou
seja, os primeiros a aderir à inovação (que representam cerca de 2,5% da
população); os primeiros adeptos, que adotam a inovação logo após os inovadores
(representam cerca de 13,5% da população); o grupo classificado como maioria
inicial, ou seja, aquelas pessoas que observam e aprendem com as experiências
dos grupos antecessores (representam cerca de 34% da população); o grupo
tratado como maioria tardia, ou seja, aquelas pessoas que costumam aderir a
inovações já testadas e consolidadas (também representam cerca de 34% da
população); e os retardatários, que são o último grupo a adotar a inovação (representam
os restantes 16% da população).
Quando a inovação
atinge a maioria inicial, ela tende a se consolidar. Quais são as implicações
da teoria de difusão da inovação no contexto atual? Em função da pandemia,
alguns setores precisaram adotar inovações em grau elevado. Exemplos desses
setores incluem a educação (por meio de diferentes formatos de educação a
distância), varejo e logística (compras on-line e entregas no
ponto de consumo), assistência à saúde (por meio da telemedicina), além de
diferentes atividades administrativas (por meio do trabalho remoto), processos
decisórios e de comunicação (por meio das reuniões e interações por
videoconferência).
Em certos casos, muito provavelmente
essas e outras mudanças já ocorreram numa prevalência que atingiu a maioria
inicial ou até mesmo a maioria tardia da população atuante nesses setores. Isso
tende a consolidar as inovações. Assim, após a pandemia, certamente esses
setores deverão fundir, sobrepor ou equilibrar as novas práticas com as
antigas. Ou seja, as mudanças impostas pela pandemia tendem a transformar
determinados setores.
Em síntese, a pandemia
implica uma mudança (em maior ou menor grau) no ambiente externo da
organização, o que implica também a necessidade de adaptação desta a um novo
contexto. Algumas mudanças realizadas tendem a se consolidar em determinados
setores (ex.: educação, varejo e saúde) fazendo com que a premência de inovação
seja evidenciada pela pandemia. Portanto, uma mensagem para as organizações é:
além da estratégia de gestão de crises, aproveitem o momento para repensar sua
estratégia de inovação.
Fonte: Jornal da USP